John Doe mora no sul da Califórnia, atravessa a rua e entra numa farmácia/super-mercado. Vai buscar sua encomenda feita pela Internet há poucas horas. Mas não pela Amazon, seu código empresarial ainda não permite.
O rótulo diz CBD. Canabidiol, um dos mais de 100 compostos químicos identificados no cânhamo, a planta mais conhecida como maconha. CBD não leva John a ficar numa boa, tetrahidrocanabinol (THC) sim, o componente halucinógeno.
O americano John usa CBD para reduzir dores, dormir melhor e diminuir sua ansiedade no trabalho.
O mercado
Há muito dinheiro a ser feito com CBD, com produtos pipocando a todo momento por toda a Califórnia e em vários Estados americanos. Grandes outdoors ao lado das freeways são onipresentes, não apenas dos cigarros de maconha.

O mercado explodiu, com produtos variando de sais de banho, café, chá a biscoitos para cachorros. O Conselho Botânico Americano atestou que em 2018 CBD foi o suplemento derivado de plantas que mais vendeu nos EUA a partir de locais monitorados por seus conselheiros, suplantando o campeão de vários anos, o “turmeric” (açafrão). O total de vendas do CBD chegou a mais de US$ 52 milhões, mais que o triplo de 2017.

A visão médica
Com os Johns americanos comprando CBD livremente, pesquisadores sérios passaram a ter preocupações. Quais seriam?
- vários produtos no mercado dizem CBD no rótulo, mas em verdade nada contêm da substância (CBD não é regulado pelo FDA em Washington)
- outros frascos podem não ter a substância CBD pura, ou então não na concentração oferecida no rótulo – há vários casos relatados na imprensa leiga de intoxicação e morte por óleo de CBD nos EUA, Europa e Austrália
- CBD é efetivo? em quais situações médicas? é seguro? é um suplemento – tal qual uma vitamina, ou um remédio?
- quais os efeitos colaterais já comprovados na literatura médica?

Foi em meados de 2018 que o FDA aprovou um derivado da Cannabis com CBD como ingrediente ativo, porém apenas para tratamento de 2 formas incuráveis de epilepsia, não responsivas a outros medicamentos tradicionais. Os efeitos secundários anotados naquela oportunidade foram diarréia, aumento das enzimas do fígado, sonolência e menor apetite. A empresa britânica GW Pharma está obrigada a seguir de perto este possível efeito sobre o fígado e a relatar se algo mais grave ocorrer. A vantagem do uso do Epidiolex, nome comercial nos EUA, está justamente na garantia de ser um produto com fórmula sob rígido controle de qualidade, uma vez que é aprovada pelo FDA.
Uma história clínica e um aviso
Paul tem 8 anos e sofre de epilepsia. Seus pais resolveram adotar o CBD como remédio, sem delongas encomendaram via Internet óleo de CBD de um fornecedor no estado do Colorado. Os primeiros 9 dias com CBD foram excelentes, sem qualqur convulsão e o retorno de Paul a uma vida plena de criança, agora energizada e com melhor aproveitamento na escola. No décimo dia de CBD Paul sofre uma convulsão generalizada, a pior que já teve na vida, em pleno colégio. Na emergência médica conseguem controlar o episódio de grande mal epilético após fortes medicamentos intravenosos e outros recursos de sustentação da vida. Após poucos dias os pais de Paul receberam as análises de pureza do produto que compraram: continha um canabinóide sintético cujo efeito secundário é justamente provocar convulsões com as da crise do menino.
Em uma análise independente de 20 produtos mais populares no mercado contendo óleo de CBD, os resultados impressionam:
- apenas 3 de fato continham o que a etiqueta dizia
- oito produtos continham menos de 20% da concentração de CBD anunciada
- altos níveis de solventes e gases em alguns frascos
- duas formulações possuiam 0% de CBD!
Assim, a recomendação hoje é a seguinte: a) que os americanos comprem o óleo de CBD vindo da Europa, onde há mais regulação na produção industrial e a contaminação por tetrahidrocanabinol é em torno de 0,2% a 0,3% apenas, b) comprar produtos com rótulos contendo a palavra “orgânico”, certificados pelo Departamento de Agricultura dos EUA como tendo sido testados para herbicidas e pesticidas, e c) adquirir CBD fabricado em empresas certificadas em “Boas Práticas de Manufatura” pelo governo americano.
Estudos científicos
Recentes editoriais de prestigiosas revistas científicas apontam para a legítima falta de estudos científicos criteriosos comprovando os efeitos clínicos propostos para o CBD. “O mercado está anos-luz à frente da ciência”, afirmou um cientista da área.
A maior parte do conhecimento científico se baseia por hora em estudos pré-clínicos. Afora os estudos randomizados em convulsões, outros são observações em poucos pacientes e de rigor metodológico muitas vezes questionável. De fato um trabalho que analisou outras 81 pesquisas, das quais 40 randomizadas, em várias indicações de CBD (em método chamado meta-análise), os autores concluiram por falta de evidências sólidas de efetividade.
No momento há 16 estudos em andamento para examinar a efetividade do CBD em psicoses. Mas depressão, ansiedade e desordem do déficit de atenção não foram objeto de qualquer estudo sério até agora. O Instituto Nacional de Saúde em Washington concedeu US$ 3 milhões para estudos do CBD em casos de dor, com resultados que virão no futuro.
Conclusões
1. Você quer usar CBD para algum sintoma em especial? Tente antes os recursos tradicionais. Principalmente a longo prazo não sabemos ainda os efeitos secundários. Procure não ser cobaia.
2. Use produtos de origem orgânica com procedência européia, pesquise na Internet antes da compra.
3. Crianças, mulheres grávidas e pessoas utilizando múltiplos remédios não devem tomar CBD de forma alguma: o risco é muito grande. Não sabemos o suficiente nessas situações.
4. Caso estiver usando CBD, monitore de perto a função do fígado. Seu médico saberá solicitar os exames adequados de laboratório.
5. Não confie em propaganda de produtos ou comentários dizendo que CBD cura ou alivia doença de Alzheimer, déficit de atenção, dor crônica, mal de Parkinson e ansiedade.
6. Aguarde os resultados de estudos sérios para utilizar CBD, principalmente a longo prazo.
7. Lembre-se que a única indicação precisa hoje dos derivados da Cannabis é em crianças com formas especiais de epilepsia não responsivas a tratamentos tradicionais.
Referência
Este texto é baseado em editorial do JAMA: