Categoria: MIOSITES

Qual a prevalência das diferentes doenças reumáticas?

Público alvo: técnico e leigo.

Há alguns anos, trabalhando ainda no Hospital São Lucas da PUC em Porto Alegre, fizemos uma estatística durante 8 meses, período em que 951 pacientes foram atendidos.

Quais os achados mais importantes?

  • A grande maioria (78,4%) eram mulheres
  • A média de idade foi de 47,6 ± 19,3 anos
  • As doenças mais prevalentes foram:
    • artrite reumatóide (19,3% – 184)
    • osteoartrose de coluna, mãos ou joelhos (11,9% – 114), sendo 42 secundárias ou associadas a outras doenças
    • partes moles, englobando tendinites, síndromes miofasciais  e distúrbios posturais (10,9% – 104)
    • fibromialgia (9,5% – 91), 35 associadas a outras doenças reumatológicas
    • lúpus eritematoso sistêmico (9,2% – 88)
    • espondiloartropatias (7,1% – 68), sendo 31 indiferenciadas, 24 com espondilite anquilosante, 11 com síndrome de Reiter e 2 enteropáticas
    • síndrome de Sjögren primária (4,2% – 40), secundária em 16 pacientes
    • osteoporose (3,8% – 37), sendo 26 associadas a outras enfermidades
    • artropatias microcristalinas (3,2% – 31) – 23 com gota, 4 condrocalcinoses, demais indeterminadas
    • esclerose sistêmica (2,9% – 28), 14 forma difusa e 12 CREST
    • síndrome do anticorpo anti-fosfolípide (1,5% – 14), 3 na forma primária
    • artrite reumatóide juvenil (1,7% – 16)
    • 8 pacientes com Doença Mista do Tecido Conjuntivo
    • 4 pacientes com Doença Indiferenciada do Tecido Conjuntivo
    • 7 pacientes com síndromes de superposição (artrite reumatóide, lupus, polimiosite, Sjögren, etc)
    • 5 com dermatomiosite e 4 com polimiosite
    • vasculites (1,9% – 18), 5 com polimialgia reumática, 5 vasculites inespecíficas, 3 com arterite de Takayasu, 2 com crioglobulinemia e 1 com poliarterite nodosa.
  • Cento e vinte e nove pacientes (13,5%) não possuiam diagnóstico definitivo, a maioria com somente uma consulta, sendo tratados segundo uma hipótese diagnóstica.

Os vários diagnósticos mostram a grande variedade da prática reumatológica, com necessidade de constante atualização por parte do profissional médico.

Autoanticorpos na síndrome anti-sintetase

Público alvo: técnico.

Complementando o post anterior de hoje, vamos ver os autoanticorpos descritos nas polimiosites e síndrome anti-sintetase. A sua determinação é feita em laboratórios no exterior por imunoprecipitação (foto).

AUTOANTÍGENOS E AUTOANTICORPOS NAS POLIMIOSITES E DERMATOMIOSITES

Autoantígeno Estrutura Molecular Prevalência
Jo-1 Histidyl tRNA synthetase protein, 52 kD 23 -36 % na PM
PL-7 Threonyl tRNA synthetase protein, 80 kD 4 % na PM
PL –12 Alanyl tRNA synthetase protein, 110 kD 3 % na PM
Zo Phenylalanyl-tRNA synthetase < 3% na PM
YRS Tyrosyl-tRNA synthetase < 3% na PM
KS Asparaginyl-tRNA synthetase < 3% na PM
Mi-2 Nuclear protein complex, proteins 53 and 61 kD 15 – 35% na PM; 5 – 9% na DM
Signal Recognition Particle (SRP) Protein 54 kD complexed with 7 SL RNA 4 –5 % na PM; não ocorre em DM
PM-Scl Complex of 11 proteins,110 –120 KD 8 –12 % na PM; 25% na superposição PM/esclerodermia
U1nRNP spliceosome complex 4 – 17% na PM/DM
SAE Small ubiquitin-like modifier activating enzyme 4% em miosites, 8% na DM
p155(/p140) p155-TIF1-gama (involved in nuclear transcription and cellular differentiation) 21% em miosites, 75% na DM do adulto, possível associação com câncer (forma para-neoplásica)
56 kD 56 kD, RNP component 80 % em miosites
EJ
glycyl-tRNA synthetase <3% na PM
OJ isoleucyl-tRNA synthetase < 3% na PM

 

A necessidade do diagnóstico multidisciplinar na síndrome anti-sintetase

Público alvo: técnico.

Ontem mesmo vi paciente com tosse crônica, achados intersticiais na tomografia computadorizada de pulmões, feita há 1 ano atrás, e queixa de fraqueza progressiva, especialmente na musculatura proximal de membros inferiores. Exames inconclusivos, com CPK normal. Claros e múltiplos estertores de bases na ausculta pulmonar. Sem diagnóstico após 6 médicos visitados, nenhum ouviu seus pulmões (mais sobre o abandono do exame físico pelos médicos em um próximo post). A síndrome anti-sintetase foi descrita há vários anos, quadro pulmonar e muscular autoimune do grupo das polimiosites, com a presença de autoanticorpos específicos. Anti-Jo1 é o anticorpo mais conhecido. Publicação de hoje do J Rheumatol (Canadá) dá conta da imperiosa necessidade do diagnóstico multidisciplinar na síndrome anti-sintetase.

A Multidisciplinary Evaluation Helps Identify the Antisynthetase Syndrome in Patients Presenting as Idiopathic Interstitial Pneumonia

Sandra ChartrandJeffrey J. SwigrisLina PeykovaJonathan ChungAryeh Fischer

The Journal of Rheumatologyjrheum.150966

Introduction Interstitial lung disease (ILD) is 1 possible manifestation of the idiopathic inflammatory myopathies (IIM). Occasionally, patients presenting with ILD are mistakenly diagnosed with idiopathic interstitial pneumonia (IIP), but after multidisciplinary evaluation, their ILD is determined to be because of antisynthetase syndrome (SynS) or myositis spectrum of disease.

Methods We used retrospective analytic methods to identify patients with ILD evaluated at the National Jewish Health between February 2008 and August 2014 and believed initially to have IIP but ultimately diagnosed with SynS or myositis spectrum of disease.

Results The cohort included 33 patients; most were white women with a mean age at presentation of 55 years. Their pulmonary physiologic impairment was moderate. In 31 cases, the ILD pattern by thoracic high-resolution computed tomography scan was nonspecific interstitial pneumonia (NSIP), organizing pneumonia (OP), or a combination of the 2. Surgical lung biopsy was performed in 21 patients; NSIP was the most common pattern. Less than one-third of the cohort had positive antinuclear antibodies. Two-thirds had positive SSA. All patients had either myositis-specific or myositis-associated autoantibody. Most had subtle extrathoracic symptoms or signs of SynS; 12 had an elevated serum creatine phosphokinase, but none had clinical evidence of myositis. None met the Peter and Bohan classification criteria for polymyositis/dermatomyositis.

Conclusion Among patients who present with presumed IIP, a multidisciplinary evaluation that includes the integration of clinical evaluations by rheumatologists and pulmonologists, morphologic (both histopathologic and radiographic) data, and serologic features is helpful in the detection of occult SynS or the myositis spectrum of disease.

 

Quando os músculos inflamam e fraquejam: as miosites

Público alvo: leigos.

As miosites estão na ordem do dia, graças à prescrição desenfreada de estatinas para doentes “com colesterol alto” e os para-efeitos marcados deste grupo de medicamentos sobre as fibras musculares. Entre 5 e 20% das pessoas que utilizam estatinas têm problemas musculares como dores, fraqueza e cãimbras. Ainda mais frequente parece ser o aparecimento de dormências, formigamentos e outros sintomas relativos à presença de neuropatia periférica – um tipo de nevralgia crônica causada pelas estatinas e que normalmente não aparece na eletromiografia.

Abaixo um texto elucidativo sobre as várias formas de miosites, reumatismo da musculatura.

POLIMIOSITES E DERMATOMIOSITE

São miopatias inflamatórias idiopáticas (doenças inflamatórias dos músculos sem causa conhecida). Ambas estão entre as doenças autoimunes do tecido conjuntivo menos comuns (incidência anual de aproximadamente 5 casos por um milhão de indivíduos). Ocorrem mais em mulheres. Apesar de primariamente consideradas doenças do aparelho músculo-esquelético, a polimiosite e a dermatomiosite podem acometer também o coração, o trato digestivo e os pulmões. A causa e o mecanismo necessário para o desenvolvimento das miopatias inflamatórias ainda não estão bem definidos, mas muitos fatores estão sendo implicados. Entre eles está descrita a predisposição genética, isto é, a pessoa nasceria com uma certa característica em alguns de seus genes que permitiria o desenvolvimento da doença. Existem os casos relacionados ao uso de fármacos, mais comuns nos anos recentes com o uso das estatinas. Pistas indicam também que agentes virais seriam responsáveis por alguns casos. O estágio inflamatório da doença sugere uma patogenia imunológica, mas as vias ainda não estão completamente elucidadas. Autoanticorpos são encontrados na maioria dos pacientes, entretanto a lesão nas células musculares pode não ser causada diretamente por eles.

MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS

Fraqueza muscular simétrica do pescoço e membros superiores é a característica clínica dominante nestas miopatias. Entretanto, o início pode variar de súbito a insidioso, com evolução gradual e diferentes formas de gravidade. Mal estar e perda de peso podem estar presentes. As primeiras queixas frequentemente voltam-se para o quadril, sendo referida a dificuldade de subir escadas ou de levantar da cadeira. Posteriormente os sintomas envolvem os braços, ocorrendo dificuldade de erguer objetos, vestir roupas pesadas, fazer a barba ou pentear o cabelo. Fica difícil erguer a cabeça quando se está deitado. Outras características clínicas seriam dor muscular, sensibilidade nos músculos, dificuldade para mastigar, respiração curta, tendência a cair, fenômeno de Raynaud (arroxeamento de extremidades no frio), inchaço da face, febre, palpitação e voz anasalada. Ao examinar o paciente, o médico encontra fraqueza nos músculos dos membros superiores distribuida difusa e simetricamente. Pode também observar certa atrofia e dor à palpação dos músculos. Contraturas podem surgir com a progressão do quadro não tratado.

Na dermatomiosite as manifestações cutâneas podem surgir antes ou durante o envolvimento muscular. Sinais patognomônicos (tipicamente só encontrados aqui) seriam as pápulas de Gottron (1/3 dos pacientes), que são violáceas, cobrindo a superfície dorsal das articulações das mãos, e o heliótropo, uma erupção eritematosa e violácea na face, na região periorbital (em volta dos olhos). Regiões sensíveis à luz, como o pescoço e ombros, podem se mostrar com grandes manchas avermelhadas. Áreas como o pescoço podem ficar hipopigmentadas (descoloridas). O envolvimento cardíaco é incomum, mas contribui significativamente para a mortalidade. Expressa-se por arritmias, insuficiência cardíaca congestiva ou pericardite. A doença pulmonar pode resultar da fraqueza dos músculos da respiração, fibrose do pulmão ou aspiração por refluxo de conteúdos do estômago. Disfagia (dificuldades para engolir) e refluxo gastro-esofágico (retorno dos alimentos e ácidos do estômago para o esôfago) são comuns apenas em casos mais graves. Pacientes bem tratados desde o início têm grande probabilidade de não apresentar qualquer complicação.

ACHADOS LABORATORIAIS

Os resultados na maioria dos testes são normais, com excessão do aumento das várias enzimas associadas ao aparelho muscular: transaminases (TGO, TGP), creatinoquinases (CPK), lactato desidrogenase (LDH) e aldolase. O exame mais sensível para detectar inflamação nos músculos é a CPK, mas há casos de polimiosite com exames laboratoriais normais. Testes de enzimas musculares alterados podem ser de grande auxílio para o médico, eis que determinações seriadas poderão refletir melhora do paciente e possibilidade de redução da dose dos medicamentos.

Vários autoanticorpos podem estar presentes, determinando diagnóstico e prognóstico – há anticorpos que marcam doença com evolução mais branda, outros que trazem preocupação com quadros mais severos e envolvimento dos pulmões. Por exemplo, anticorpos anti-Jo1 no sangue do paciente faz com que deva se pensar em uma doença mais agressiva para músculos, com tendência à fibrose dos pulmões e necessidade de maiores doses de medicamentos imunossupressores.

Uma novidade recente foi a descoberta de anticorpos anti-HMGCR, que marcam a presença de miosite por estatinas.

DIAGNÓSTICO

A biópsia muscular é geralmente solicitada para se estabelecer o diagnóstico. No exame do tecido observa-se um infiltrado inflamatório difuso ou focal circundando as fibras musculares e os pequenos vasos. A eletromiografia também auxilia no diagnóstico, inclusive orientando qual o melhor músculo para biópsia, ou seja, aponta qual o ponto que mais acometimento apresenta. É importante que seja diferenciada a polimiosite de quadros semelhantes quanto às queixas do paciente, porém de outra origem: são as chamadas miopatias metabólicas, doenças dos músculos por defeitos no metabolismo e na maneira como os músculos conseguem utilizar combustíveis orgânicos como os açúcares e gorduras. Biópsias de músculo com exames especiais, chamados coletivamente de imunohistoquímica, podem determinar se o problema é metabólico ou se de fato há inflamação.

A ressonância magnética pode mostrar os sítios de inflamação muscular mais ativa e orientar sítios de biópsia, além de ser bom método para se acompanhar os resultados do tratamento. A vantagem é não oferecer radiação ao paciente, porém infelizmente ainda se trata de um exame caro.

Na história clínica é fundamental se saber se a pessoa utiliza medicamentos que possam causar miosite, como as estatinas e medicamentos para disfunção erétil e próstata, como o Cialis. Cãimbras são muito frequentes nestas situações e o desconforto muscular nas pernas é debilitante. A CPK pode estar bem elevada no sangue. Retirando-se a medicação há melhora e cura do quadro, porém isto pode tardar de 2 semanas a 1 ano. O reumatologista deve coordenar este tratamento com o cardiologista ou clínico que prescreveu as estatinas.

TRATAMENTO

Terapia com altas doses diárias de corticosteróides via oral é o tratamento inicial contra a polimiosite e a dermatomiosite. Por altas doses entende-se algo em torno de 1 mg de corticóide para cada Kg de peso da pessoa. Se você tem 60 Kg, então o médico receitará 60 mg de prednisona ou equivalente. Há também a possibilidade de se aplicar a chamada pulsoterapia, que diminui o potencial de para-efeitos dos corticóides. Trata-se de dose muito elevada da medicação, porém aplicada por apenas 3 a 5 dias, na forma de infusão endovenosa. Neste caso o paciente permanece sob monitoração em ambiente hospitalar e coloca-se potássio no soro para evitar arritmias e outras complicações.

Estudos demonstraram que a terapia com corticóides consegue diminuir o processo inflamatório, normalizar os níveis das enzimas musculares e reduzir qualquer complicação associada à doença. Diminui-se a dosagem à medida que os níveis das enzimas no sangue vão se reduzindo, porém este é o reumatismo inflamatório em que por mais tempo se mantém doses elevadas do corticóide. Diminuição muito rápida do remédio levará a recidivas do quadro clínico.

É importante adicionar agentes imunossupressores no tratamento, inclusive para efeito poupador das doses de corticóides. Estes seriam a azatioprina, metotrexate, ciclofosfamida ou o clorambucil. Outros tratamentos existem, muitas vezes mais caros ou experimentais, mas não menos eficazes, como as gamaglobulinas endovenosas e agentes biológicos como o rituximabe. Para calcificações abaixo da pele, que ocorrem principalmente em crianças após a fase aguda da dermatomiosite, não há ainda tratamento específico. Diltiazem, probenecide e bisfosfonatos podem ser tentados. Recomenda-se não operar as massas de cálcio, infecções severas e não-fechamento do ferimento cirúrgico podem sobrevir.

Pacientes com dermatomiosite e fotossensibilidade devem se proteger da radiação ultravioleta (em geral proveniente do sol, lâmpadas fluorescentes em casa ou no local de trabalho, telas de computador, etc) pelo uso de protetor e de hidroxicloroquina via oral.

Hoje em dia se preconiza o trabalho de fisioterapia motora desde o diagnóstico, com exercícios suaves e alongamentos. O objetivo é evitar contraturas musculares e fraqueza exagerada, com mais rápido retorno às atividades de vida diária, quando a doença estiver sob bom controle pela terapêutica.”